domingo, 8 de agosto de 2010

PROFESSORA E PSICOPEDAGOGA ?

PROFESSORA E PSICOPEDAGOGA ?
PROFESSORA - PSICOPEDAGOGA ? PSICOPROFESSORA?

Maria Angélica Bernardes Santos

O texto é um testemunho de como é importante que professores estabeleçam relações de confiança e segurança na sala de aula, principalmente quando há baixa de autoestima. Esse vínculo não é suficiente mas é necessário para que aconteça a aprendizagem.


O nome dele é tão significativo que é difícil conseguir um codinome para relatar seu caso; um nome escrito com muitas letras, importado e com a pronúncia inglesa das vogais, do h e do w. Eu o conheci nos meus primeiros anos de professora.
No início daquele ano de 1974, ele repetia, pela quarta vez, o Período Preparatório para a alfabetização pelo Método Global de Contos. As atividades avaliativas de prontidão eram padronizadas na escola em que trabalhávamos e ele já memorizara as respostas e acertava tudo. Entretanto, a professora do ano anterior já avisara: - Ele acerta porque já conhece todos os exercícios, mas não sabe ler nem escrever nada, nem mesmo o próprio nome. Quando começar com a alfabetização, você verá que ele não aprende.
As demais professoras ainda reforçavam: - Coitada de você! Ele não para; bate e briga com todos os colegas, não faz os deveres, seus cadernos ficam rasgados e vive sujo.
Realmente, ele era muito agitado - não parava na carteira, saía das filas, brigava no recreio, mas seus olhos refletiam uma alegria de viver e um prazer enorme em mostrar as atividades corretas que terminava antes dos colegas. Entretanto, havia um fato intrigante: ele não escrevia o próprio nome e se recusava a copiá-lo da ficha; assinava escrevendo o apelido com quatro letras apenas e era só isso que escrevia.
Após muitas tentativas de mostrar-lhe a importância de se escrever o nome e de vários diálogos(?)* , comentei esta resistência em uma reunião. Então, uma de suas ex-professoras falou-me do fato de que ele não gostava do nome e que não adiantaria tentar fazê-lo escrever.
De posse dessa informação, pensei uma forma diferente de valorizar o nome dos alunos. Minha hipótese era que, se ele percebesse algo de valor ou belo no nome, talvez quisesse aprender a escrevê-lo.
A secretaria da escola deixou-me um aviso de que eu não estava fazendo as chamadas diárias e esta foi a dica de que eu precisava. Eu sempre me esquecia desta parte burocrática da escola. Com essa turma, entretanto, decido fazer da chamada o momento de valorização dos nomes.
Diariamente, executava um verdadeiro ritual: cada nome lido era transformado numa verdadeira música e acompanhava-a com um comentário específico. Por exemplo: Márcio... me lembra o mar e a onda que vem forte e volta de mansinho para junto das outras...
Quando leio o nome do nosso aluno com dificuldade, pronuncio-o solenemente e digo: Parece nome de presidente... de alguém muito importante... quem sabe será mesmo! E continuo a chamada, parando um pouco a cada nome e olhando para o nomeado.
A troca de olhares e o ritual de chamada começa a surtir efeitos.
Após algumas semanas, ao entregar-me uma folha de exercícios, ele me pede: - Me ensina a escrever ................? É a primeira vez que pronuncia o próprio nome na escola.
A partir das letras de seu nome, ele começa a inventar sua escrita. Há uma mudança radical, inclusive física; o corpo, o olhar, a expressão refletem que a alma está bem.
Muito tempo depois, analiso a aprendizagem e as dificuldades de AISA ( resolvi dar-lhe um apelido.) Parece-me que não aprender a ler era uma forma de não reconhecer o próprio nome, de poder negar um nome com o qual não se identificava. Outro fato, porém me fez pensar que não bastava aceitar o nome; que foi importante, também, a relação estabelecida; uma relação de afeto, respeito, confiança, e o diálogo que mantivemos.
É que ele, como outros alunos que se sobressaíram , foi remanejado para outra turma mais forte, onde não houve esse vínculo. Ele voltou a ser o aluno sujo e desordeiro, de antes - a professora não o aceitou. Foi preciso que ele voltasse à nossa turma para dar continuidade ao seu processo de alfabetização.

Há dois anos, me encontrei com ele em uma galeria. Me reconheceu e me contou seus sucessos como profissional. Recentemente, foi um dos poucos aprovados em um concurso federal e estava de partida para Brasília.
Pensei: - Valeu a pena ter sido psicoprofessora, antes de ser psicopedagoga.




* Maria Angélica Bernardes Santos ( professora e psicopedagoga)
email: bila.bernardes1950@gmail.com

Nenhum comentário: