quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Monografia: CONSTRUÇÕES POSSÍVEIS NA CONSTRUÇÃO DO JOGO

CONSTRUÇÕES POSSÍVEIS NA CONSTRUÇÃO DO JOGO
Ou
O Jogo na Construção da Psicopedagoga

Maria Angélica Bernardes Santos[1]



Introdução

Este trabalho é uma análise distante - no tempo e no espaço - do atendimento psicopedagógico na clínica onde ocorreram dois fatos singulares: um deles a criação de um jogo, desde seu material, até as regras mais simples; o outro foi o intercâmbio entre dois atendidos[2] que freqüentavam a clínica em horários diferentes, sem se encontrarem, a não ser através do jogo e das regras escritas. Sua escrita foi iniciada quando já terminávamos o atendimento a Tomás[3] - um dos atendidos - e se prolongou por mais de dois anos. Foi um tempo em que, ora o texto ficava “esquecido” na gaveta, ora era retomado para reflexões, análise e estudo pela autora que precisava autorizar-se torná-lo público. Provavelmente, muito do que foi escrito, hoje seria outro texto, porém estou optando por manter inclusive a introdução escrita inicialmente, apenas acrescentando alguns esclarecimentos.

O relato que se segue iniciou-se logo após o término do trabalho com o jogo. Objetiva apontar efeitos do trabalho com jogos no consultório psicopedagógico, especialmente quando se abre o espaço para criar e construir jogos, permitindo a manifestação da autoria. Aponta também a evolução da psicopedagoga a partir do trabalho com os atendidos.

A narração centra-se na criação do jogo e seu uso como instrumento para introduzir mudanças na modalidade de aprendizagem de Tomás.

Ele, um rapaz com síndrome de Down, foi quem iniciou a construção do jogo no consultório. O outro atendido, Malthos, um pré-adolescente, foi encaminhado por uma psicóloga. Após três anos de trabalho com ela, seu progresso na aprendizagem escolar não correspondia à expectativa da família, da escola e da psicóloga. Foi, então, indicada a intervenção psicopedagógica. Malthos e Eliane - minha parceira nesse trabalho - participaram, jogando, porém as sugestões eram dirigidas a Tomás e as decisões em relação à inclusão ou exclusão de regras no jogo sempre foram dele.
A criação do jogo Troca-troca Dinheirinho foi o principal instrumento de atuação em seu atendimento pois proporcionou um espaço de autoria.

No relato inicial, há pormenores sobre o jogo e as etapas do trabalho que culminaram na sua criação.

Continua com uma tentativa de apresentar um retrato descrito de Tomás. Seguem informes sobre a síndrome de Down, sem pretender aprofundar nestas informações, pois não foram consideradas no atendimento psicopedagógico.

Tento, também, analisar as mudanças que ocorriam nos atendidos - especialmente em Tomás - à medida que provocavam mudanças no jogo, enquanto pormenorizo as etapas dessa construção sob o título A Possibilidade de Desenvolver Autoria.

No capítulo O Jogo e a Psicopedagogia, são citados alguns autores que teorizaram sobre jogos, brincadeiras e seus efeitos no desenvolvimento e aprendizagem das pessoas. Os trabalhos, a respeito, versam sobre jogos que estão estruturados, à venda no comércio ou de domínio público. Procurei, em cada um, realçar o que percebi atuando no trabalho com Tomás, destacando a especificidade do trabalho realizado, muito mais rico por possibilitar a criação de jogos. Por isso, a evolução do trabalho é pontuada e intercalada à apresentação teórica. O resultado do atendimento demonstrou a riqueza do uso do jogo, da criatividade e do intercâmbio, na clínica, para a construção da subjetivação, o desenvolvimento da autonomia e o reconhecimento da autoria e isso está relatado nesse capítulo.

A título de conclusão, há observações sobre a evolução do nosso trabalho na psicopedagogia, o aprendizado da psicopedagoga e as modificações de Tomás na sua modalidade de aprender e ensinar. Volto a destacar as mudanças que considero demonstradoras do desenvolvimento da autoria em sua vida e registro uma justificativa por não considerar as “deficiências” do portador da síndrome de Down, valorizando suas capacidades para aprender e usar sua capacidade de autoria.




O JOGO

O brincar da criança não só é produtor do sujeito enquanto sujeito desejante, mas também enquanto pensante. A inteligência se constrói a partir do brincar.
Alicia Fernández

O jogo “Troca-troca Dinheirinho” foi criado dentro da clínica psicopedagógica.
Compõe-se de xerox reduzido de nossas cédulas e moedas dispostas em uma caixa com dez divisões- o Banco -, cinco dados e talonário de cheques. Para jogá-lo, lançam-se os dados e somam-se os pontos. O valor encontrado será o valor monetário da retirada bancária. A escolha do bancário é feita por acordo entre os jogadores e quase sempre os atendidos optavam por assumir tal função distribuindo o valor ganho entre os jogadores.

Essas regras e as demais foram construídas durante alguns meses, a cada sessão, com dois atendidos da clínica psicopedagógica, em horários independentes, duas vezes por semana cada um. Eles não se encontravam, porém conheciam o fato de haver outro participante. Por isso, cada mudança no jogo foi registrada, por escrito, com dois objetivos: lembrarmo-nos na sessão seguinte e comunicar a regra ao outro. O registro teve, como modelo, as orientações de um jogo de mercado já conhecido.

Participaram dessa criação: os dois atendidos - Tomás e Malthos - a autora e a psicopedagoga, Eliane Martins.
O primeiro momento da criação envolveu apenas o dinheirinho que foi utilizado em simulação de compras, atendendo ao objetivo deles e de suas famílias de que conhecessem o nosso dinheiro e aprendessem a resolver operações matemáticas e monetárias. Conseguimos uma caixa com algumas divisões, que adaptamos para possibilitar a classificação e ordenação do dinheiro “como ficam nos Bancos”[4]. Depois é que surgiu a idéia de utilizar esse “Banco” combinado ao uso de dados em situação de jogo. Os atendidos saíam de uma necessidade de uso de reálias para a possibilidade de abstração e jogo simbólico.


Etapas da Construção do Jogo
1º Organizamos o caixa para as vendas dos produtos.
2º Transformamos o caixa em banco, com uso de cartões bancários e cheques para sacar o dinheiro.
3º Utilizamos o banco em jogo de disputa com uso independente da situação de compra e venda e com introdução de um dado.
4º Registramos as primeiras regras escritas por Tomás, no relatório da sessão, incluindo a obrigatoriedade de trocar as moedas de menor valor por uma de maior valor, quando esta tivesse valor equivalente ao do conjunto.
5º Criamos um talão de cheques. Eram preenchidos com o valor ganho para iniciar a sessão seguinte com saldo positivo. O ganho passou a ser cumulativo.
6º Acrescentamos mais um dado ( e depois mais até atingir o limite de cinco, considerado bom pelos dois atendidos) com o objetivo de ganhar muito em uma única sessão. A finalidade era realizar muitas trocas, pois parecia impossível ganhar notas de cem reais com poucos pontos. Trocar até ganhá-las foi um dos objetivos intermediários do jogo. Alcançá-lo era motivo de muito prazer, pois deixava explícita a superação de limites supostamente inalcançáveis.

Foi interessante como construíam-se objetivos possíveis de alcançar que, quando superados, foram-se ampliando em favor de outros cada vez mais complexos.


CONHECENDO TOMÁS



Mais importante que fazer que alguém pense algo não pensado, é permitir que amplie o âmbito do pensável e que realize a experiência de “vivência de satisfação” ao reconhecer-se pensante. Isto é, a alegria de encontrar-se e reconhecer-se autor.
Alicia Fernández


Foi o primeiro caso atendido, por mim e Eliane, em consultório.
Não consideramos necessário fazermos as sessões diagnósticas iniciais[5], pois o recebemos com essa etapa pronta e, em nossa inexperiência, aceitamos o trabalho feito por outro em quem confiávamos. Também por nossa inexperiência, ainda pensávamos muito mais no aspecto pedagógico e suas metodologias. Entretanto, já tínhamos uma escuta das emoções que circulavam durante as atividades e um olhar que buscava mais os saberes que as dificuldades, as quais se tornaram, por isso, de compreensão mais fácil.

Tal escuta e olhar é que foram mostrando outros diagnósticos e outras formas de trabalho no decorrer das sessões. Fomos percebendo o processo que o atendido utilizava para resolver seus problemas e mostrar seu conhecimento e percebíamos também onde podia haver falhas que levassem a dificuldade.

Isso é mais tranqüilo quando a psicopedagoga tem o conhecimento do processo ensino-aprendizagem e aponta os momentos em que o atendido demonstra um conhecimento. Além de ajudá-lo a perceber-se conhecedor de algo, desenvolvendo a auto-estima, leva-o a se desarmar mostrando também onde e porque está em dificuldades.

Conhecer sobre a dificuldade do atendido só é possível quando ele nos dá a conhecer isso. À medida que isso ocorria com Tomás, íamos construindo nossas hipóteses e formas de atendê-lo, diferenciadas de quando chegou à clínica.

Tomás nos foi apresentado como alguém que tinha bom desenvolvimento, ótimos relacionamentos sociais com colegas e família, e participante ativo da Associação dos Amigos dos Down. Foi-nos dito que apresentava dificuldades em Matemática apesar de saber o processo de resolução das quatro operações nos algoritmos. “Só” não sabia qual a operação – adição, subtração... – ajudaria a solucionar o problema que a escola propunha. Além disso, nas subtrações, quando o algarismo do minuendo era menor que o do subtraendo, costumava retirar sempre o menor do maior, apesar de conhecer a regra do reagrupamento. Esta, porém , era uma informação automatizada adquirida por treinamento, sem a compreensão.

Com isso, demonstrava dificuldade para resolver os deveres de casa, ficando dependente de ajuda.

Essas dificuldades, entretanto, não eram o motivo da consulta. O que Tomás queria do atendimento, segundo a família e ele mesmo, era aprender a pagar e receber troco, conhecendo os valores do nosso dinheiro. Esta era a queixa principal em relação à dificuldade de aprendizagem fora da escola: quando ia fazer alguma compra, não sabia qual seria o troco, nem com que cédula pagar.

Por sugestão de Eliane, que fizera a primeira entrevista, nas sessões iniciais saímos com ele a visitar o comércio, para conhecer preços e ter contato direto com o uso social do dinheiro. Eventualmente, ele realizava alguma compra, quando levava dinheiro e chegava ao consultório sabendo o que “queria” comprar.

Observamos, nessas saídas, como Tomás se sentia inseguro e com medo ao atravessar as ruas, fazendo-o com dificuldade. Ao portador da síndrome de Down é normal apresentar dificuldades motoras, porém, em situações de brincadeiras, Tomás se libertava da rigidez. Isso era visível quando o jogo pega-varetas fazia parte das atividades. Conseguia que o corpo participasse integralmente, efetuando mudança de posição para observar melhor as possibilidades, o que proporcionava registro da ação e aprendizagem.

Já as excursões tinham o objetivo de aprender, isto é, ele ia às compras para aprender a lidar com dinheiro, fazendo um relatório depois. Não era para fazer as compras. Faltava um elemento primordial: o prazer. A escola realiza muitas – quase todas – atividades assim, com o único objetivo de aprender para[6] e não de se construir algo.

Após algumas sessões, em que ele comprava muito pouco, sugeri que criássemos um espaço de compras no consultório, com lojinhas, supermercado, farmácia, etc., utilizando dinheiro de xerox para que manipulasse, “comprasse” e “vendesse” trabalhando com pagamentos e troco em situações de jogo. Nesse espaço, comprar e vender seriam ações prazerosas onde o erro não significaria prejuízo; poder-se-ia ser, ao mesmo tempo, comprador e vendedor e o tempo seria atemporal, pois seria parte do brincar. Estaríamos incluindo, na prática psicopedagógica, algo da lógica do brincar que é a mesma lógica do aprender.

É uma lógica onde se pode ser e não ser ao mesmo tempo, consegue-se acreditar sem precisar alienar-se na certeza, abre-se espaço para a subjetividade, a dúvida, a pergunta tornando possível a autoria e a reescrita, nos dizia Jorge Cruz nas aulas da E.PSI.B.A.
Como ir às compras em situações reais não estava ajudando a conquistar a alegria de aprender, algo precisava ser feito para ajudá-lo a tornar-se capaz de brincar, construindo e se apropriando do conhecimento, transformando a aprendizagem em algo da ordem do prazer.

A proposta foi, prontamente, aceita.

Providenciamos embalagens, sucata e o dinheirinho de papel, assim chamado por serem cédulas em tamanho bastante reduzido. As moedas foram confeccionadas de forma artesanal, durante algumas sessões, tendo sido uma atividade bastante prazerosa. Construía-se e já se utilizava. Alguns materiais eram abandonados por não se mostrarem úteis na situação criada. Outros eram incorporados. Era possível construir, desmanchar, reconstruir.

Analisando os fatores que intervieram na escolha dos materiais, metodologia e atuação psicopedagógica, percebo, naquela brincadeira, o início da atividade criativa e autônoma em Tomás e isso será detalhado na continuação do texto.



Características de Tomás

ô ninho de passarim,
ovinho de passarinhar:
se eu não gostar de mim,
Quem é mais que vai gostar?
Guimarães Rosa

Com 27 anos na época, Tomás é um rapaz com Síndrome de Down.
Durante o atendimento, não me preocupei em procurar textos que me falassem sobre portadores dessa síndrome. Ouvia algumas informações sobre dificuldade de concentração e memória, afirmações de que são educáveis e aprendem só através da repetição intensiva de atividades, porém não lhes dava importância. Após relatar sua história neste texto é que me interessei por conhecer mais, o que resumo a seguir.

Luciana Ribeiro Barros[7] afirma que “A baixa expectativa em relação a esse alunado dita práticas pedagógicas monótonas, mecânicas, individualizadas e sem função na vida prática”.
Romildo Vieira do Bomfim (1996),[8] relata um trabalho pedagógico com outra postura em aulas de educação física e como sugestão para outras áreas educacionais. Ele aponta os déficits característicos da síndrome, porém afirma que procura a eliminação de rótulos e preconceitos. Segundo os dados da pesquisa feita por ele, a pessoa portadora de síndrome de Down apresenta deficiência mental geralmente moderada, hipotonia muscular, pouca coordenação dos movimentos, fala tardia, revela predisposição demorada para a aprendizagem “já que, nessas pessoas, o estímulo e a resposta cerebral são processos lentos”. Há “grande dificuldade para atividades prolongadas de onde surgem as estereotipias que indicam que já esqueceu o que teria que fazer”; demonstram desinteresse nas tarefas que são fáceis demais ou, pelo contrário, nas muito difíceis. É preciso: “exigir dela somente o que estiver dentro de suas possibilidades, a fim de que a mesma possa se sentir segura”; Cabe ao professor, segundo ele, “acolher suas sugestões; perceber suas eficiências, que são muitas e, às vezes, superam expectativas.”

Tomás tinha algumas dessas características, porém não demonstrou dificuldade em se concentrar na tarefa de construção do jogo ou de jogar. Geralmente se interessava, brincava, se divertia e só esporadicamente demonstrava cansaço e sono. Isso ocorria quando tinha usado algum medicamento.

Outra afirmação importante é que “os portadores de deficiência constróem também seu conhecimento do mesmo modo que indivíduos normais, embora de forma mais lenta.” [9]o que constatamos em nosso trabalho.

Entretanto, havia uma baixa expectativa em relação a Tomás e seus colegas na escola que freqüentavam. Por esse motivo, as atividades escolares eram monótonas e mecânicas, sem nenhuma relação com a vida, sendo realizadas por ele como cumprimento de dever aos quais não pensava questionar. . Aprendia-se as informações escolares para se ter as informações. Não se pensava na sua aplicabilidade, porque não acreditavam na capacidade dos alunos de construir e transferir conhecimento. O contato com o objeto de conhecimento era muito pobre. A forma como lhe eram oferecidas as informações - para serem treinadas - não lhe permitia modificá-las e recriá-las. As professoras desconheciam a individualidade do aluno e não o habilitavam a pensar, nem percebiam seu progresso.
Para responder à expectativa da escola, ele se relacionava com as informações de modo hiperacomodativo. Elas eram “engolidas”; não se permitia digeri-las - assimilando e acomodando - isto é, as informações não sofriam comparações e modificações para serem compreendidas e apropriadas. Não o sendo ficavam esquecidas a cada nova informação que substituía as anteriores. Com isso, Tomás se construíra algumas armadilhas:

* Esquecer-se do que “aprendera”.

 *Abrir mão de seus desejos e deixar as escolhas para outros fazerem;

Quando chegou para o atendimento, há três anos, Tomás percebia o saber como algo de posse de um outro, geralmente adulto e repetia diante de toda possibilidade de escolha, no consultório: _ “Vocês é que sabem”. _ “Qualquer um está bom! ”

Durante o tratamento psicopedagógico, encontrou-se com sua possibilidade de criar e de reconstruir a própria história o que o levou a (tomar consciência das suas armadilhas?) ter autonomia, ressignificar seus desejos, perceber-se sujeito e criativo, com direitos à luta por realizar seu sonhos. O contato com a capacidade cognitiva, através da relação de confiança com as psicopedagogas e da criação do jogo, lhe permitiu reconhecer-se pensante e capaz de utilizar esse pensamento na assimilação e acomodação dos objetos.
Quando considerei a possibilidade de alta no atendimento, redigi o texto que transcrevo a seguir:

Hoje, ele está deixando de viver os desejos dos outros para viver os próprios desejos: propõe as atividades para escolhermos juntos; assiste aos programas políticos de propaganda eleitoral para escolher os candidatos em quem quer votar e justifica as opções; passou a tomar decisões e a defendê-las; reivindica, junto à família, mais liberdade de espaço, escolha, direito de ir e vir sozinho; começa a questionar a própria escola, quer sair, porque “esta escola segura os alunos”, diz ele; quer aulas com artista plástico para aprender técnicas de pintura, aprender música – órgão, tirar fotografias, coisas que lhe dão prazer. Escola, só se for uma regular, que dá diploma! Quer trabalhar e quer ter alta no tratamento assim que terminar de escrever “O livro de minha vida” - um dos trabalhos propostos diante da dificuldade de memória que ele colocava e que o incomodava muito. Segundo ele, aprendia em um dia e, no outro, já havia esquecido.

Foi interessante que a primeira mudança ocorresse no modo de relação que ele estabelecia com o dinheiro, pois, como nos diz Alicia Fernández, há uma equivalência entre a forma como nos relacionamos com o dinheiro, o alimento, a sexualidade e o conhecimento[10]. É algo que está fora e que tem que ser construído para apropriar-se. Não se apropria com acúmulo de informações.

A mudança em uma das relações tornou possível a mudança nas outras. Se apropriando do valor do dinheiro e da capacidade, não só de operar, mas de inventar modos de brincar com ele, percebeu-se capaz de saberes, construtor de conhecimentos e com direito a desejos próprios.

Creio ser importante falar também do investimento familiar que transmitia a Tomás a segurança de ser amado, aceito e valorizado pelos seus. Quando ele começou a questionar a escola e a manifestar seus desejos, houve um primeiro momento em que notamos certa preocupação. Depois, conseguiram escutá-lo percebendo o papel da escola de mantê-lo no lugar da dificuldade. Respeitaram suas escolhas, apoiando-o na concretização de muitas delas.


A POSSIBILIDADE DE DESENVOLVER AUTORIA ...

Nossos donos temporais ainda não devassaram
O claro estoque de manhãs
Que cada um traz no sangue, no vento.
Carlos Drumond de Andrade


Tomás possuía as informações técnicas sobre os algoritmos, tinha desenvolvido capacidades importantes como conservação de número, classificações e ordenação de objetos, porém não compreendia o sistema de numeração nem o sistema de valores de nossa moeda nas operações representadas. Não compreendia o processo de resolução e representação e não estabelecia relações entre as operações com os objetos e sua representação gráfica. Conhecendo ser este um trabalho pedagógico possível de ser realizado na escola, procuramos ouvir o que diziam de Tomás e como poderíamos atender, através das professoras, a essas dificuldades.

Tentamos conversar com as professoras de Tomás, mas percebemos, que não havia espaço para a psicopedagogia naquela escola, pois a coordenação considerava-se auto-suficiente e não questionava o próprio trabalho. Fazia leituras dos textos de Piaget e Vigotsky, como se o determinismo e o mecanicismo fossem a base teórica de seus trabalhos, sugerindo o ensino como treinamento, seqencial e completamente dependente da repetição do saber do outro. Nessas ações, a emoção fica ausente, reprimindo o prazer de aprender.

Ante tal postura, sentimos a necessidade de um trabalho psicopedagógico que trabalhasse aquelas questões. O caminho percorrido nesse atendimento levou à criação do jogo, que foi acontecendo gradualmente atendendo às demandas que surgiam a cada encontro com os dois atendidos.

No início, o objetivo do jogo foi mediar a aquisição de habilidades e atitudes da atividade monetária no dia-a-dia, propiciar o exercício da criatividade e da capacidade de fazer escolhas. Tínhamos, também, como objetivo, promover o conhecimento das cédulas com seus valores, no troca-troca, isto é, trocando uma cédula de maior valor por conjunto, correspondente, de cédulas de menor valor, e vice-versa. Para isso, o dinheirinho foi acondicionado em uma caixa com divisórias onde se separava as cédulas e moedas de acordo com o valor, em ordem crescente. Isso e as trocas possibilitavam a compreensão do sistema de numeração decimal.

Quando começou a tomar forma, o jogo chamou a atenção de outro atendido – Malthos – que viu a caixa sobre a mesa e quis saber o que era. Ele manifestou o desejo de participar da brincadeira, o que foi levado ao conhecimento de Tomás. Deu-se início, por sugestão da autora, uma correspondência escrita explicando as regras construídas. A partir daí, não se dramatizou mais o supermercado e o jogo de regras foi sendo, gradativamente, construído.

Foram introduzidos dois dados, como a forma de tornar mais lúdico o jogo, porém eles se tornaram ótima opção para criar a necessidade de aprendizagem dos fatos fundamentais da matemática. Trabalhar com os fatos fundamentais ficou a cargo da escola, porém os atendidos percebiam, através do jogo, um motivo para essa aprendizagem na sua utilização fora do contexto escolar.
À medida que houve o domínio das formas de jogar, estabelecidas por eles, introduziram novas regras, eliminaram outras para complexificar _ “ficar mais emocionante”_ e atender ao desejo e à necessidade, ora do Tomás, ora do Malthos.

Uso complexificar – termo não existente em nosso vocabulário - e não complicar, porque complicado significa embaraçado, difícil; complexo remete a algo que encerra muitos elementos, algo observável sob diferentes aspectos, conjunto de coisas que têm ligação entre si [11] e esse termo é que dá conta de explicar o objetivo das novas regras. Não era simplesmente tornar difícil e muito menos embaraçado, pois as regras ficavam muito bem definidas para disputar o jogo e valer a pena ganhar.

Tornar cada vez mais complexas as regras me parece que foi um modo de “encontrar-se com seus limites e superá-los” (Lino de Macedo). Para Lino, o gozo de um jogador é ganhar, ser melhor que o outro em um contexto de regras, porém, o mais importante é a possibilidade de superar a si mesmo.

Os dois atendidos encontraram-se não só com seus limites e possibilidades de superação, mas - e o mais importante - com a capacidade de autoria. Corresponderem-se, nessa situação lúdica, criou uma série de possibilidades, para ressignificação da escrita, para o encontro com as diferenças e para o autoconhecimento, reconhecendo-se criadores e criativos. Nesse exercício, percebemos a ampliação do jogo como um recurso para os atendidos saírem do lugar de heteronomia onde só podiam repetir o que lhes era ensinado, para perceberem a si mesmos capazes de criar, de jogar e de conseguir o domínio das regras, apesar de complexas. Conquistavam confiança em seu fazer, percebendo valor em sua produção principalmente no prazer que se extraía dos momentos em que jogávamos.

Reconhecendo a individualidade dos dois ao estabelecer o diálogo entre eles e ao respeitar suas sugestões e decisões , nós os habilitamos a pensar e a reconhecerem-se como sujeitos desejantes e capazes. Foram vislumbrados novos contextos, espaços onde repetir era permitido sem ser obrigatório e inventar foi possível. Junto a essa criatividade, foi acontecendo a aprendizagem e o reconhecimento da autoria.

Eles perceberam-se dominando o sistema monetário, o que levou a outra necessidade: ter maior quantidade de dinheiro para fazer operações mais complicadas e ficar mais interessante jogar.
Acrescentaram outro dado para conseguir ganhar maior quantidade de dinheiro em uma única sessão. Malthos se lembrou de outro jogo que aprendera, no qual podia jogar novamente quem tirasse seis pontos no dado e sugeriu acrescentar essa regra para aumentar os ganhos; na sessão seguinte, já preferiu contar em dobro os pontos somados, em vez de jogar novamente, o que foi aprovado por Tomás. . Passaram a lidar com quantias cada vez maiores para poder trocar por muitas cédulas e ultrapassar cem reais.
A mudança das regras por um ou outro provocava desequilíbrio cognitivo, o que era um desafio: o encontro de algo diferente, a falta / necessidade da permanência, a busca do conhecimento e compreensão do novo nas sugestões do parceiro, o desafio das invenções. Inventaram outras regras: triplicar o valor da soma, caso tivessem dois dados com o valor seis e quadruplicar, caso saíssem três seis; devolver o valor ganho na rodada, caso se esquecesse de fazer a troca; preencher um cheque com o valor acumulado, para iniciar a sessão seguinte, fazendo a retirada bancária. Diante de tantas mudanças, o que mantinha o equilíbrio era a estrutura do jogo que permanecia e a nossa atenção mediando a construção.

Além de proporcionar autoria e desenvolvimento da subjetivação, trabalhou-se também com conceitos aritméticos e matemáticos, busca de equivalências, semelhanças e diferenças, relações de troca, dependência e autonomia, criação e vivência de ações reguladoras, vivências sociais (organização do Banco ordenando a moeda pelo seu valor, confecção e preenchimento de cheques, compra e venda, etc.).

Quando eles ficaram satisfeitos com o resultado, considerando as regras boas e suficientes, foi digitado no computador o manual de instruções, que ficou anexado ao jogo. Para isso, e por sugestão de Malthos, usamos , como referência, o manual de um jogo comercializado, seguindo a formatação que é quase universal nos manuais.

Sempre fizemos avaliação da mudança de regras, com experimentação pelo outro atendido junto às terapeutas, na situação de jogo, antes de ser incorporada como regra no registro oficial. O registro só era fato quando aprovado pelos dois. Foi um intercâmbio que possibilitou elo e comunicação à distância entre os dois atendidos, que não se conheciam.

O registro escrito era feito para não se esquecerem das regras introduzidas, para ser lido e discutido depois, e para informar ao outro atendido. Isso levou a trabalhar com funções importantes da escrita: a comunicação com um ausente, registro e memória , além da construção do leitor interno, no cuidado em se fazer entender pelo outro através da escrita, o que ficou evidente na evolução do texto registrado e na preocupação em não deixar margem para dúvidas ou interpretações diversas da regra.. Com essa construção, também, se desenvolveu a capacidade de alteridade, colocando-se no lugar do outro, percebendo conseqüências para seus atos, implicando-se como alguém pertencente a um grupo com valores próprios.

Tudo isso resultou em mudanças significativas nas atitudes em relação à aprendizagem: de passivo a ativo, de receptor a criador.
Reconhecer-se autor tornou possível a escrita/ reescrita da própria história para Tomás, “construir-se um passado” (Piera Aulagnier), “reconhecendo-se nele” (Alicia Fernández)[12]. No caso de Tomás isso ficou concreto na produção de um livro: “A História da Minha Vida” onde pode criar cenas da infância e do presente e onde pode também registrar seus saberes e seus sonhos. Essa construção foi possibilitada pela descoberta da capacidade de criar e de aprender, que é a-prender, desprender o aprendido para voltar a prendê-lo e desprender, num contínuo gerador de novos conteúdos de conhecimento e de algo novo para o próprio sujeito” ( Alicia Fernández)[1], movimento que foi, por muito tempo, a dinâmica da construção do jogo “Troca – troca dinheirinho”.

Em relação às características de Tomás, me propus algumas questões para pensar:

Por que o esquecer e qual a razão de as operações monetárias serem escolhidas como sintomas? Que relações existem entre a submissão ao desejo do outro e o esquecer? Havia permissão para esquecer, permitindo o lembrar? Precisava esquecer para não se lembrar dos próprios desejos?

Que significações havia no saldo positivo e na permanência, através do registro em cheque, do que ganhavam no jogo? Teria relação com o lembrar/ não esquecer para continuar a ter? Reencontrar-se na sessão seguinte com algo que conquistara seria o registro da capacidade de construir, da autoria?

Por que foi tão importante a constante superação de limites no jogo? Isto é inerente ao ser humano nas situações de vida? Ou, no caso trabalhado, foi necessária para destruir os limites que lhe foram impostos pela escola e a família por sua condição de diferente?

Para Tomás, a construção de cada regra era equivalente a limites a serem construídos e superados para/por si mesmo, isto é, era a possibilidade de fazer aparecer sua criatividade? Ou era simplesmente para tornar o jogo cada vez mais prazeroso? Ou é uma relação entre as duas questões – a constante construção e superação de limites é que despertava o sentimento do prazer de jogar e de perceber-se autor e criativo?

Tentei responder a essas questões procurando conhecer mais obras de autores que pesquisaram e escreveram sobre o jogo.




O JOGO E A PSICOPEDAGOGIA

O aprender se situa no mesmo espaço do brincar, que temos descrito como um espaço “entre”. Espaço entre o quê? ... Entre a ciência e a poesia, entre o conhecimento e o saber, entre a subjetividade e a objetividade.
Alicia Fernández


O jogo é um dos recursos que pode ser utilizado no tratamento psicopedagógico. De acordo com o professor Jorge Visca (1996)[13], ele coloca em exercício funções cognitivas e afetivas e aspectos sociais além de desenvolverem conteúdos escolares.. “Ponen en ejercicio operaciones cognitivas como la clasificación, la seriación, la antecipación, la conservación, etc. de una forma amena porque unem las operaciones a la emoción”. Já Lino de Macedo nos diz, do jogo na psicopedagogia, que ele estimula a ver conflitos ao mesmo tempo que ajuda a buscar respostas. Diz ainda, que “as regras dentro dos seus limites são transformadoras, pois pedem-nos o tempo todo a consideração do que se tornou possível no sistema”. (Macedo:1994)[14]. além de considerar o possível, no caso relatado foram consideradas as possibilidades do outro jogar e o necessário para tornar o jogo cada vez mais sedutor.

De acordo com Winnicott( 1971) [15]“...é no brincar, e somente no brincar, que (...) criança ou adulto pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o seu eu. Além disso, de acordo com Vygotsky [16], “... no brinquedo, a cr/ projeta-se nas atividades adultas de sua cultura (...) com ele ( o brinquedo ) a cr/ começa a adquirir a motivação,, as habilidades e as atitudes necessárias à sua participação social, a qual só pode ser completamente atingida com a assistência de seus companheiros da mesma idade e mais velhos.”

Segundo Piaget o prazer, o sentimento é o motor, a mola que coloca em funcionamento o cognitivo. Poderia se dizer que, quanto mais prazer a atividade promove, maior a possibilidade de aprendizagem?

De acordo com Vygotsky, “assim que o jogo é regulamentado por certas regras, várias possibilidades de ação são eliminadas” e “satisfazer as regras é uma fonte de prazer” (1991 p.108-24). Construir as regras também é uma fonte de prazer, pois elas são o limite entre o permitido e o não permitido e quem decidia a permissão era Tomás. Era também a ajuda para circular a criatividade, enquanto respeitá-las ou ampliá-las era o desafio permitido pelo espaço de desenvolvimento da autoconfiança e da superação de limites. Continuando a citar Vygotsky, “ (...) ao brincar, a cr/ está sempre acima de sua idade, acima de seu comportamento diário, maior do que é na realidade” “(...) o brinquedo cria uma Zona de Desenvolvimento Proximal “ (...) e “gera oportunidades para o desenvolvimento intelectual” (1991). No desenvolver do jogo, aumentar a complexidade me parece que foi o modo de possibilitar esse desenvolvimento e de ser maior, correndo e não correndo os riscos de crescer.

O jogo, então, possibilita a construção do eu enquanto pessoa, do eu enquanto pertencente a um grupo social e cultural e do eu enquanto sujeito pensante.

A função do jogo, segundo nossas concepções quando atendíamos a Tomás, era a criação de um espaço do brincar que colocasse em exercício as funções cognitivas e afetivas, os aspectos sociais e o trabalho com os conteúdos escolares de uma forma que resgatasse o prazer de aprender. Essa função ficou ainda mais completa e apaixonante, quando se vislumbrou a possibilidade de criar um novo jogo, não apenas jogar com algo oferecido por outro, mas criar as próprias regras-limites. Ser autor/criador de algo e reconhecer-se na sua criação. Perceber-se capaz de construir e não precisando apenas repetir.

Provocar um movimento de transformação na modalidade de aprender-ensinar, na forma como se age com os objetos de conhecimento e no encontro com a autoria, esse foi o principal objetivo do atendimento psicopedagógico e foi alcançado com esse trabalho.



CONCLUSÕES:


Sem clareza ainda de como seria o fazer psicopedagógico, trabalhamos, inicialmente, com um fazer pedagógico. Porém trabalhamos com a construção do conhecimento, na Zona de Desenvolvimento Proximal e no espaço do brincar, o que tornou possível a criatividade, a autonomia, a construção de auto-estima positiva, o movimento de mudança na modalidade de aprender e a autoria; portanto, a postura foi psicopedagógica.

Diante da citação de que “só se sabemos e aceitamos que a criança deseja derrubar a torre de blocos, ser-lhe-á valioso comprovar que pode construi-la”( Winnicott apud Alicia Fernández[17]), percebo que mais importante que a construção das regras-limites, foi o fato de que puderam ser transgredidas para a construção de outras. Como nos jogos de construção de blocos onde o prazer maior é o de derrubá-los para reconstruir. E que, esse movimento de construir, desconstruir, reconstruir ajudou a atingir o objetivo psicopedagógico.

O espaço psicopedagógico foi utilizado para resgatar a alegria de construir e utilizar a criatividade. A escola não o permitia. A família não acreditava. A clínica proporcionou o criar, o destruir para transformar, o pensar com autoria. Me parece que a construção-invenção do jogo Troca-troca dinheirinho só foi possível porque se permitiu substituir ( derrubar sucessivamente as construções) regras construídas por novas que se apresentavam mais interessantes e lógicas para o objetivo do jogo.

Criando e escrevendo o jogo, escrevia-se uma nova história das próprias capacidades e de suas relações de ensino-aprendizagem. Esse foi um espaço de autoria permitido e proporcionado pelas terapeutas psicopedagógicas e que não fizera parte das demais relações de ensinante e aprendente de Tomás que só podia reproduzir e repetir o saber do outro.

Tomás foi visto e ouvido em sua especificidade enquanto atendido com dificuldade de aprendizagem independentemente das reais dificuldades causadas pela síndrome. Não se pode ver a síndrome de Down como impossibilidade de, nem ficar preso aos preconceitos em relação a ela. Provavelmente esta era uma armadilha da qual a escola que “segurava aluno” não estava conseguindo sair. Acredito que a saída de Tomás e seu desenvolvimento na outra, onde ele realiza seus deveres com autonomia, pode se tornar uma possibilidade para que os profissionais daquela escola repensem sua postura. Esse é um investimento a ser feito pela psicopedagogia no seu veio institucional.

Creio que as diferenças dos portadores de síndromes devem ser vistas apenas como possibilidades de se dar um tempo maior para aprender, se organizar, lembrar, crescer, desenvolver, ser...
Creio, também, que o grande passo na construção da autonomia de Tomás será o momento em que a família dê permissão para trabalhar em um emprego remunerado para o qual já se candidatou e foi aprovado. Poderá, então, olhar o mundo de vários ângulos, perceber muitos possíveis, fazer mais escolhas e olhar-se com esse olhar modificado e crítico reconhecendo-se cada vez mais em sua singularidade, seus desejos e possibilidades.

Com Tomás, vimos ocorrer a mudança nos vínculos ensinante e aprendente construídos ao longo da vida. Ele não precisa mais estar passivo em relação às informações que recebe e em relação à postura da escola, da família, dos amigos; pode questionar, aceitar, modificar, digerir, se apropriar, saber, ações que foram vividas e praticadas nas sessões de psicopedagogia, principalmente durante a criação do jogo “Troca-troca dinheirinho”.

Quando percebera que Tomás se tornara capaz de agir com essa autonomia em relação a seus ensinantes, eu pensei que poderia ter alta no tratamento. Entretanto, ele não se conscientizara ainda dessa mudança.

Somente quando se apropriou do novo modo de operar diante da aprendizagem, Tomás deu-me alta no atendimento. E possibilitou-me ( ainda me possibilita) aprender com ele e modificar, em mim também, a minha modalidade de ensinar e aprender.

Aprender que existe tratamento psicopedagógico quando se constrói um espaço onde aquele que se construíra mordaças fale; aquele que delegava aos outros suas escolhas pode criar, inventar; aquele que não escrevia produz um poema; aquele que não podia ler, reconhece a sua história; aquele que “atrapara” o pensamento consegue ser criador e ser construtor de um jogo; aquele que não escolhia decide que não necessita mais do tratamento. Existe tratamento psicopedagógico onde o encontro do terapeuta com seu atendido, através dos jogos, dramáticos ou não, produz a consciência de ser sujeito, construtor das ações e da história – ele, atendido, construindo a sua e eu, psicopedagoga, construindo a minha.

Julho de 1998 a Março de 2001

Maria Angélica Bernardes dos Santos*
___________________________
[1] oO presente trabalho foi apresentado como monografia no curso de pós-graduação na Escuela Psicopedagógica de Buenos Aires / Espacio Psicopedagógico Brasileño Argentino, Março/2001

[2] Atendidos é o termo que optei utilizar para nomear aos “pacientes” da clínica psicopedagógica. Atender, v,tr. Dir. Prestar atenção a, tomar em consideração, ... ouvir, responder. ( Do lat. Attendere ) - Fonte: Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa O Globo. Diz Alicia Fernández : “Hoje atenção tem a ver com a descentração, a dispersão criativa, a reconhecer-se autor, confiar em suas possibilidades de criar o que já está ali, mais próximo do brincar ... (Revista E.PSI.B.ª nº 9) . Essa afirmação me deixa mais segura ainda do meu desejo de chamar atendido àquele a quem atendo na clínica psicopedagógica.


[3] Tomás e Malthos são nomes que protegem a identidade dos atendidos.

[4] Fala de Malthos

[5] Por outros motivos, hoje, também não realizamos as sessões destinadas só a diagnóstico, o que foi um dos aprendizados na realização deste trabalho.

[6] Percebemos em nossa experiência que os objetivos explícitos na escola remetem quase sempre ao futuro: aprender para conseguir bom emprego, para fazer prova, para passar de ano...

[7] Revista Integração 19:. Tranquem as portas, ele é Down! 47-49 Brasília: MEC/ SEF, 1997

[8] BOMFIM, Romildo Vieira. A Educação Física e a Criança Portadora de Síndrome de Down – Algumas
Considerações. Revista INTEGRAÇÃO ano 7(16): 60-62. Ministério da Educação e do Desporto.
Brasília, DF. 1996

[9] Mantoan (1989) apud Bomfim

[10] FERNÁNDEZ, Alicia. A Inteligência Aprisionada. 2 ed. Porto Alegre:Artes Médicas, 1990. Cap. 8, p. 107

[11] Novo Dicionário Aurélio, Nova Fronteira, RJ: 1986.

[12] FERNÁNDEZ, Alicia. Psicopedagogía en Psicodrama – Habitando el jugar, Nueva Visión, Buenos Aires, 2000
p. 239-44.

VISCA,Jorge. Introducción a los juegos lógicos en el tratamiento psicopedagógico, edição do autor.
Buenos Aires,1996.

[14] MACEDO, Lino de. Para Um Discurso das Regras in Ensaios Construtivistas,. SP: Casa do
Psicólogo, 1994. cap. 9, p. 85

[15] WINNICOTT, D.W. O Brincar – A Atividade Criativa e a Busca do Eu ( Self) in O Brincar e a Realidade.
Rio de Janeiro: Imago, 1971. cap. IV, p.79-81.

[16] VYGOTSKY L.S. A Formação Social da Mente, 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. cap. 7, p.108 - 124.

[17] FERNÁNDEZ, Alicia. Psicopedagogía en Psicodrama - habitando el jugar Nueva Visión, Buenos Aires, 2000.
* Professora e psicopedagoga em Belo Horizonte, com formação universitária em Pedagogia, pós-graduada em psicopedagogia pelo CEPEMG e pela E.PSI.B.A ( Escuela Psicopedagógica de Buenos Aires – Espacio Psicopedagógico Brasileño Uruguayo Argentino)